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Tempo e castigo

No auge dos meus 25 anos, eu nunca me senti tão atrasado na vida. Houve um tempo em que a sensação era justamente o contrário: por ter gostos mais diferenciados do que os outros garotos da minha idade – o hábito caseiro, os dotes domésticos, a harmonia irônica – eu sempre me permiti acreditar que estava à frente do meu tempo. Mas com base no último ano, esta sensação foi definitivamente jogada ao vento. Não querendo dizer que o último ano não tenha sido bom – mais do que isso, foi revolucionário. Mas é inerente a tragédia de qualquer pessoa que já completou o que pode ser considerado ¼ de uma vida saudável. Isto é, se eu tiver sorte. Convenhamos, Igor: você não tem cuidado tão bem de si mesmo quanto deveria. Teu fígado não nega.

A sensação que tenho hoje é de que a vida que levo definitivamente não bate com a idade que tenho. Algo que é constantemente comprovado pelas atualizações dos meus amigos, conhecidos e figurantes na linha do tempo do meu Facebook: relacionamentos sérios, casamentos, filhos, sucesso profissional... Onde foi que arrumaram tempo para fazer isso?! Ou dinheiro, por sinal... Mas os fins são alheios aos meios, e o resultado paralelo de todos esses acontecimentos é a minha melancolia – que, ao contrário da minha conta bancária ou da minha tão sonhada estabilidade emocional, é algo que só vem aumentando.

Quando eu digo que minha vida tem demonstrado um saldo tanto quanto negativo, é porque penso no Igor de 2015; aquele que se formou na faculdade, morava sozinho, trabalhava e mantinha sua independência, apesar da eterna dificuldade e manutenção. Claro que o único fator que nunca me recordo de levar em consideração, é exatamente aquele que faz toda a diferença: a qualidade de vida.

Sim, eu me graduei. E tive meu incrível apartamento de solteiro por anos, completo com mais quartos do que eu precisava, e uma sacada quase feita sob medida para minhas bebedeiras e filosofias. E consegui encontrar meu lugar dentro de um mercado de trabalho ameaçado por crises políticas e recessão econômica. Tive todas as coisas que qualquer jovem de vinte e poucos anos sonhava ter nesta altura da vida, mas independência é algo mais caro do que a nossa vã juventude pode contemplar. No meu caso, estas conquistas se baseavam no sacrifício da minha felicidade. Até o dia em que eu acordei e pensei: “Para que estou trabalhando, para manter tudo isso?”. E então tomei a decisão que deu início ao ano mais revolucionário da minha vida, desde o dia em que fui embora da minha cidade para enfrentar o mundo real: admiti derrota, para começar de novo.

O preço foi alto e impiedoso: lá se foram minha liberdade, minha privacidade e parte do meu orgulho que, querendo ou não, se contentava com as coisas que conseguia manter em nome da minha sustentabilidade. Apesar de um grande pesar: minha felicidade. E quase dois anos depois, estou diante de um novo aniversário e um inventário curioso da minha vida. Um que me obriga a rever algumas definições, como as minhas “conquistas” e, mais importante, o motivo pelo qual eu levanto cedo para ir trabalhar.

E tem dias que eu ainda não me sinto nem um pouco adulto. Mais da metade das pessoas que encontro na minha rotina sequer podem beber ou dirigir ainda. O que é irônico, dadas às minhas condições socioeconômicas que também não me permitem ambas as coisas às vezes. Mas o contexto da faculdade invariavelmente me faz sentir um pouco diminuído, se não fosse pelo fio-conduto que me mantém adiante, e que respondo sem remorso aos meus pais quando me perguntam como vão as aulas: sim, é isto que eu quero fazer da minha vida. Sim, eu estou feliz.

Não, eu não moro sozinho. E meu emprego é um estágio. E tem dias em que eu não tenho um real no bolso. E existem certas satisfações que eu preciso dar aos meus pais, que antes passavam batidas. E eu continuo andando a pé. Minha cama é de casal, mas meu status civil deixa bastante espaço de sobra. E tem dias que eu realmente penso se valeu a pena a troca ou não. Se o tempo que passou me trouxe mais perto dos meus sonhos, ou só serviu para me atrasar. As coisas não estão só difíceis; estão sofríveis. Mas em vez de melancolia, o sofrimento atinge só a parte prática.

Estou velho, chato e cansado. Disfuncional às vezes e constantemente irritado. Sem ânimo para sair, e demasiadamente satisfeito em meus relacionamentos com minha cama, Netflix, vinho e dias nublados. Com preguiça de amizades instáveis e relacionamentos ocos. E acima de tudo, estou ridiculamente feliz com o quanto eu consegui redirecionar a minha vida ao que eu sempre quis ser.

Alguns castigos fazem parte do percurso, outros são escolhas que podemos manter ou abrir mão. O restante, como dizem, vem com o tempo.

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