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O estado de sublimação

Sexo é o meu esporte favorito. Ou então, tornou-se o meu esporte favorito. Desde o primeiro beijo que inaugura as preliminares, até as mãos que descem pela cintura e ousam passear pela coxa. As palavras sussurradas ao ouvido, enquanto os corpos lentamente entrelaçam-se. O calor que aumenta com a proximidade – com a intimidade. A respiração ofegante, o pulso acelerado. O gosto da boca. O cheiro da pele. O toque do outro. O mundo de sensações que vem à tona no espaço entre nós, cada vez menor. A intensidade do olhar, a pegada no quadril, a mão que desliza até o seu ponto mais vulnerável. A pressão, a fricção, o êxtase...

Eu costumava pensar que não existia sexo sem amor. Aí eu cresci e descobri que só não queria acreditar que poderia existir. Porque pensava que sexo deveria ser consequência do amor, não um ato paralelo a ele. A verdade é que não existem regras, limites, pudores ou fetiches que estejam fora de cogitação.

A única coisa que sexo deve ser é bom.

Desde que o impensável aconteceu, sinto falta de intimidade. De ter outro corpo com quem pudesse contar, e não apenas agarrar. Mas os temos mudaram, as mãos dadas no shopping se desfizeram, e existem atos de intimidade que me intimidam muito mais do que passar a madrugada acordado, entre roupas jogadas pelo chão do quarto, ao som de suspiros fundos.

É mais fácil abrir a porta do meu quarto para alguém, do que o meu coração de novo. E compartilhar essa dificuldade é o maior ato de intimidade que eu poderia dar conta hoje. Suspeito ainda que seja mais saudável do que se estivesse entre as pernas de alguém.

O desenvolvimento psicosexual de qualquer pessoa tem início na infância, segundo teorias psicanalíticas com as quais não sou particularmente a favor. No entanto, não pude deixar de pensar sobre meus comportamentos mais recentes – resultantes de um determinado trauma – como uma forma de voltar a me valorizar. Era meu novo mecanismo de defesa, junto à ironia e o sarcasmo, trabalhando para proteger o meu ego. E como não poderia deixar de ser da natureza Freudiana, tudo isso eventualmente teria a ver com sexo.

Mecanismos de defesa são maneiras inconscientes de proteção do indivíduo, por meio de ações que reduzam situações ameaçadoras ao seu ego. Podem não passar de pequenas neuroses, ou evoluírem até grandes patologias. A mais comum, desde o desenvolvimento pré-adolescente e, ao meu ver, perpetuado por toda a existência, é a sublimação. O deslocamento da pulsão sexual para atividades socialmente aceitáveis, como a prática de esportes, desenvolvimento cognitivo, excesso de trabalho, aumento do consumo de álcool, entre outros comportamentos populares expressos em público.

O que não é expresso pela mente, é refletido pelo corpo. Não há quem não pense em sexo, mas não há quem consiga viver disso. Até atores pornôs eventualmente precisam dar uma pausa para descontrair – e não me venha com aquela história de que “quem faz o que gosta não precisa trabalhar nunca.” Trabalho é trabalho, independente do tipo de orgasmo que ele te provoca. No caso da sublimação, cada um tem seu jeito de expressar a pulsão acumulada pelo corpo. Sair para festas, beber além do ponto, falar demais, se jogar numa rotina de exercícios – sempre há um excesso para cada falta que existe em nossas vidas. Segundo Freud, não eu.

Comigo tem sido pior. Ao contrário da via de regra de Freud, onde todos os caminhos levam a sexo, eu – pra variar – ando na contramão. Sexo tem sido o meu jeito de evitar, a todo custo, intimidade. Porque da última vez que alguém chegou perto o bastante de mim, bom... Eu ainda não sei como terminar essa frase.

Alguns anos atrás, quando sexo era só um desejo distante da minha realidade, fui entregue aos clichês da pré-adolescência e passei a praticar caminhadas. Mas quando a velocidade não estava sincronizada à minha pulsão, as caminhadas tornaram-se corridas. E quando as distâncias também deixavam de suprir minhas necessidades, uma volta ao redor do lago da cidade não era mais o bastante. Duas já aliviavam um pouco. Três pareciam ser o bastante. Freud pode ser um pervertido, mas contra satisfações pessoais não há argumentos.

É por isso que decidi retomar meu antigo passatempo – para fortalecer meu ego e, por que não? – minha barriga. Eventualmente o que te assombra irá te alcançar, e só existem duas alternativas para isso: você pode continuar em negação, ou assumir o que te aflige e ultrapassá-lo. Vou literalmente correr dos meus problemas, nem que seja a última coisa que eu faça.

Sexo é saúde, é bom, é vida, mas nunca realmente foi meu foco. Meu sonho sempre foi – e em parte ainda é – preparar o café para levar até ela na cama, na manhã seguinte. E é atrás disso que eu vou correr.

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