Pular para o conteúdo principal

Sonho de uma série de verão


A vida é um exercício de expectativas. Entre clichês e rotinas, o que nos move é a esperança de que algo ou alguém nos socorra do marasmo e nos aponte em direção ao desconhecido. O que tem por vir sempre será mais interessante do que passou. Ou então, do que, de fato, veio e se concretizou. Existem inúmeras linhas de pensamento sobre isso. Todas com seu propósito em comum de tentar explicar ou dar forma àquele espaço vazio - para sempre vazio - que existe em você. Psicologia, religião, niilismo - escolha seu veneno e deixe que ele te queime antes de te curar. Ou abandone toda e qualquer crença em nome do movimento da linha de produção na qual você está inserido.

Tudo isso e muito mais só para tentar explicar o motivo pelo qual eu não gostei do final que foi reservado a Game of Thrones. E para ressaltar ainda o motivo pelo qual isso é invariavelmente algo bom. Ao menos para mim.

Se você é como eu, ou um pouco mais velho, provavelmente foi obrigado a dominar a arte da espera. E a direcionar toda a sua ansiedade para qualquer outra coisa, para não enlouquecer ou roer todos os esboços de unhas que ainda lhe restam. Mas era assim que funcionava: em média, os 23 capítulos de uma determinada série eram entregues a nós em doses homeopáticas - uma hora por semana, entre setembro e maio. Salvo exceções de transmissões ao vivo de grandes eventos, pronunciamentos políticos, ou calamidades públicas, sua série preferida seria exibida na data e hora marcados.

Aprendemos a esperar uma semana pelo próximo capítulo, ou três meses pela próxima temporada do nosso passatempo midiático preferido. Os ventos do inverno vinham e iam, e nada da primavera trazer a nossa série de volta. Mas entre o ir e vir das estações, muita coisa mudou, evoluiu, aprimorou e - pelo mundo ser o que é - privatizou-se. Os serviços de streaming por assinatura  mudaram o modo de vivenciar as temporadas, dentro e fora da TV.

Os intervalos mudaram - de semanas para segundos e de meses para anos. Aqui está todo o conteúdo da temporada, com capítulos separados por apenas dez segundos de interlúdio. Porém, nos aguarde até 2020. Isto é, se de fato retornar em 2020. Talvez fique para 2021, 2022… Como foi no caso de Game of Thrones e espera sem fim entre 2017 e 2019: algo sem precedentes para mim. O que fazer nesse meio tempo? Viver? Do que? E para que?!

Se fosse pesar quem eu era em 2017 quando GoT se foi, e quem GoT encontrou em mim quando voltou em abril, nossa legião de fãs teria muito mais a reclamar do que eu vi pelo Twitter na segunda-feira pós-finale. Caos, aparentemente, não é uma escada, como diria Littlefinger. Não. Caos é um calendário.

É uma equação bem simples:


O resultado depende da sua intensidade mas, por via de regra, a tendência está sempre a favor do exagero. Espera-se demais temporalmente, espera-se demais figurativamente, e frustra-se demais posteriormente. É o teorema da espera da pizza, elevado ao extremo: quanto mais uma pizza leva para chegar após o pedido, mais ela parece gostosa em virtude da fome que a antecipou. Mas para chegar ao exagero, a linha é tênue: “Esperei tanto para receber algo assim?!”, disse mozão depois de mais de uma hora de espera desde o pedido do shawarma umas semanas atrás. Pois é

Existem esperas e esperas. Algumas que nos vencem pelo cansaço, outras que nos frustram pelo excesso. A questão aqui é a satisfação - a linha tênue entre entregar o que foi prometido, ou ser minimizado pela distância. A pizza não agrada quando demora porque esfria. Game of Thrones não foi ruim pelo roteiro, mas pelo tempo de execução. Seis episódios em vez de dez, com mais de uma hora de duração cada, ao contrário do padrão de 50 minutos. Um atropelo temporal completo, em prol da expectativa que criou por mais de um ano.

Se a ansiedade para entregar algo, independente da qualidade do conteúdo, for a única força por trás da produção, talvez seja melhor reavaliar toda a campanha. Algumas coisas precisam mesmo ser adiadas para 2020 ou 2021, em nome da vida útil do material - e é claro que não estamos mais falando de GoT aqui.

Pela segunda vez, um grande ciclo acadêmico irá se encerrar para mim este ano, e eu não sei o que virá pela frente. Uma das poucas certezas disponíveis no momento é que não haverá mais GoT em meus domingos e segundas-feiras. Uma guerra fictícia terminou - e muito mal, diga-se de passagem. Não sei se as minhas lutas terão um desfecho diferente, mas o momento pareceu oportuno para ao menos refletir sobre isso.

Quando uma expectativa nos falha, aumentam as apostas sobre a próxima. Por isso um final ruim acabou sendo surpreendentemente bom - ao menos para mim. As coisas não terminaram como eu gostaria, mas quanto mais eu parei pra pensar, menos eu cheguei a alguma alternativa coerente. Eu não sei como de fato poderia ter sido diferente. O que significa que as minhas expectativas, além de exageradas, andam muito disformes. E falando como alguém que estava prestes a se render à finalidade de tudo - sendo pessimista e temperamental para cima de todos, enquanto segue a rotina - foi bom ao menos ser surpreendido.

Foi um fim, mas não o do mundo. Não é como se não restassem outras coisas para assistir, tampouco outras coisas para fazer. Eu, por exemplo, deixei meu TCC em outra aba para escrever três folhas sobre nada de mais, ou um fim em mente para este devaneio em particular. O que significa que minha história ainda tem muito a render.

O nosso inverno ainda está chegando. Seguimos na luta. #RIPGoT

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento