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Superficial e juntos agora (ou renasce uma estrela)


Algumas coisas não foram feitas para serem traduzidas. Seja um comentário irônico sutil enviado por uma mensagem de texto, incapaz de transmitir seu deboche original sem parecer tão “8/80”... ou, então, quem sabe uma versão brasileira de um sucesso pop norte americano. Não adianta. Algumas coisas foram feitas de um jeito, e é desse jeito que precisam ser desfrutadas. Colocando à parte as frases motivacionais sobre a necessidade invariável de mudanças ao longo da vida, o mesmo vale para certas pessoas. Em vez de aderir totalmente a uma nova realidade, vez por outra vale mais a pena comprometer-se com um meio termo. No caso da música, legendas bastariam – não necessariamente produzidas pela Paula Fernandes. No meu caso... Seguimos na expectativa.

Ao longo dessa história em particular – do autor perturbado, debochado, ansioso e contraditório que vos fala – confesso que eu nunca soube exatamente aonde queria chegar. No entanto, mesmo ser um plano concreto, cá estou eu: dez anos, (quase) duas faculdades e um relacionamento estável depois. Quem é você agora, Igor? Para onde está indo? E quando finalmente chegar lá, se contentará em ficar?

O descuido com essa música me deixou pensativo. Entre tantas outras coisas que já me deixaram pensativo neste ano, talvez esta tenha sido a figurativa gota d’água. Como a Paula foi de “shallow” (do inglês, “raso”, pelo contexto da media) até o fundo do poço, eu não sei. Outra interpretação para o termo, em inglês, seria “superficial”. Se esse era o objetivo, então está tudo certo no mundo. Das mil e uma possibilidades que existiam naquela canção, ela mirou – e acertou – no superficial. O que nos traz a esse mais novo desabafo: mesmo sem um plano, operei sempre pela eliminatória de que seja lá no que eu me tornasse, não seria superficial. Foi isso que aconteceu?

Eu admito que têm dias onde a vontade de sair de casa não existe. Momentos em que a coragem de interagir com outras pessoas me falta. Instantes em que percebo que estou, definitivamente, longe da parte rasa da minha juventude. E me sinto mais perdido do que quando comecei a trilhar esse caminho rumo a lugar nenhum. Mas essa talvez seja mesmo a tendência – quando nos focamos mais no que não conseguimos enxergar além do horizonte, do que reconhecer o caminho já trilhado até aqui. Se meus três ou quatro leitores assíduos ainda me acompanham (oi, mãe!), irão concordar comigo: nenhum de nós ainda vive no raso. O “adultismo”, uma vez instalado, nos aprofunda cada vez mais na rede interminável de boletos, dores nas costas e dúvidas existenciais. Ou seja lá no que você pensa enquanto espera o ônibus na saída do trabalho.

Eu queria mais. Sempre quis. Mais do que tudo. Mais do que era possível. O famoso “8/80”. E enquanto tudo não estiver ao alcance, ou enquanto ainda houver lacunas e espaços a serem ocupados com alguma coisa, a sensação de nada prevalece. A insustentável, injustificável, superficial sensação de que nada até agora valeu a pena. E que eu deveria ficar sozinho, ao contrário de convidar outras pessoas a participarem da minha bagunça.

É isso que eu tenho feito, ao menos por esses textos. Algumas palavras infames aqui e ali, uma música para acompanhar, e eu estaria livre de mais uma crise de ansiedade pelo que nem imagino ainda estar à espera. É errado? Não. Faz sentido? Não. Deveria continuar guardando essas coisas só pra mim, e poupar essas palavras simplesmente porque não acrescentam nada a ninguém? Não. Por dois simples motivos: 1) pode não acrescentar a você, mas subtrai os meus medos – o que definitivamente conta e muito. E 2) um mundo que deixou “Shallow e juntos now” ser escrita, gravada e divulgada, com certeza pode abrir espaço para a minha infâmia.

Tudo isso só para confirmar que algumas coisas não deveriam ser traduzidas – como “Shallow” – enquanto outras merecem um meio-termo para se aprimorarem – como eu. Essas são as minhas legendas. Talvez você não precise delas, mas me ajudam muito a acompanhar o que acontece no meu mundo.

Eu também senti a minha falta.

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