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A glorificação da mediocridade


As duas piores coisas no mundo são: depender dos outros e ficar sozinho. Não necessariamente nessa sequência, mas a ordem dos fatores não altera o indulto. São situações que nos prendem igualmente em uma espécie de agonia constante, vulgarmente chamada de “espera”. Quando não estamos esperando por alguém que faça o favor de nos responder no WhatsApp, é a espera que antecipa o click do ícone do aplicativo na tela do celular, sem saber se realmente haverá alguma notificação lá. 

Costumavam dizer que ser adulto era como se perder da mãe no supermercado, só que para sempre. A verdade é que ser adulto se parece muito mais com uma instabilidade das redes, que derruba todos os meios de comunicação do ar, mas que você nem percebeu porque não estava falando com ninguém mesmo.

Não é a toa que meus professores sempre frisaram muito a noção de que talento sempre perderá diante de alguém com habilidades sociais mais afinadas. De nada adianta ser bom em algo, enquanto se é péssimo com os outros. Inclusive, o que parece mesmo em alta ultimamente é a glorificação da mediocridade: a ideia de que um curso profissionalizante é o bastante para te encaixar no mercado de trabalho, enquanto milhões de especialistas e pós-doutores fazem overposting no Linkedin. 

Em termos de oferta em demanda, o sistema permanece intacto, mas a qualidade é questionável. Foram-se os tempos como, digamos, 2009, quando decidi cursar Psicologia em vez de Jornalismo. Mesmo disposto a bancar minha empreitada sozinho, meu pai reforçou um ponto crucial: “Tudo bem, vá estudar. Mas não seja um psicólogo. Seja o psicólogo.” Não precisamos nos aprofundar na cultura existencialista por trás deste parecer – muito menos, do que eu de fato fiz com ele pelos últimos anos. A questão é que, aqui e agora, fazendo jus à minha vocação analítica-comportamental, eu estou acordado. Mais ainda: estou tomando atitudes. 

Sem querer ser chato, mas haverá sempre uma lógica universal por trás dos seus pequenos planos para o dia a dia, ou para os próximos cinco anos – dependendo da sua motivação. Há quem diga que nascemos sozinhos e morreremos sozinhos, constituindo família e colecionando rancores ao longo do caminho, mas com data e prazo de validade relativamente fixos. Dependemos de circunstâncias temporais, por natureza. 

Além disso, nesse meio tempo literal, dependemos dos outros para nos levarem adiante, ou estamos fadados aos mesmos a nos passarem a perna e nos deixarem para trás, também. Essa dança ininterrupta de sucesso e desgraça é o que invariavelmente dá gosto a uma experiência que poderia ser deveras trágica, se não fôssemos abençoados com a brilhante capacidade de rir e ironizar a nós mesmos. 

Se nada disso faz sentido pra você, das duas, uma: ou está mais preocupado com a conversa que está tendo pelo WhatsApp, ou está confiante que não morrerá sozinho porque a mensagem daquela pessoa em particular poderá chegar a qualquer momento. Seja como for, a vida é uma só: nascemos, crescemos, reclamamos da conexão com a internet, e morremos. Enquanto isso, o que não nos mata, serve de experiência a ser adicionada no currículo.

Somos todos especialistas em alguma coisa, e medíocres em outra. Não se preocupe: sua hora vai chegar. Agora volte para o WhatsApp.


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