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A fuga do sedentarismo


O lado bom de ser ansioso é estar constantemente tentado a seguir adiante – mesmo quando a única opção disponível parece ser aprender a esperar o tempo se encarregar da sua função de nos empurrar para frente. 

Em épocas menos sedentárias da minha vida, quando tinha o privilégio de não me submeter aos testes de paciência do relógio, sempre preferi – por exemplo – andar em vez de sofrer ao sol escancarado sob um ponto de ônibus, à espera de um milagre: que meu ônibus passasse no horário marcado. 

Foi assim, inclusive, que decidi que era capaz de andar de Londrina à Cambé, depois de perder minha condução tradicionalmente fora da grade que deveria seguir. E fui – duas vezes.

Ser ansioso invariavelmente inclui vencer desafios propostos por ninguém, e sentir-se grandioso por isso.

Ao contrário das minhas competições imaginárias contra o resto do mundo, meu sentimento de grandiosidade ultimamente vem justamente da dor e da delícia de ser sedentário agora. Houve um tempo em que o quadro pendurado na minha sala – uma visão inspiradora do Homer de cueca sob letreiros que celebram ser “gordo e feliz” – era mais satírico do que metalinguístico ao meu respeito. 

Pra quem estava acostumado em ser magro, acidentalmente em forma, de tanto andar à toa por aí, não foi fácil reencontrar meu reflexo no espelho. Isto é, a fração de mim que coube ali. Resultado das minhas noites MasterChef, entre outros prazeres da carne – e frango, e etc.

Isso justifica minha mais recente campanha em prol de “ser menos”, para a alegria dos meus ex-colegas não-leitores. Só que literalmente. Além da adição de crônicas à minha rotina, uma leve caminhada – de quase 7 km – agora também faz parte do dia a dia. É como crossfit, extremo e insensato, mas para os pés. 

Os reflexos já podem ser percebidos nas noites de sono regulares, escape da adrenalina acumulada e sensação da tão sonhada autonomia para ir e vir nesse mundo, anulada temporariamente pelo cárcere da vida acadêmica.

Foi-se o tempo em que ser gordo e feliz me satisfazia, por mais que ainda esteja formalmente categorizado como dotado de “sobrepeso”. Agora a moda é ser em forma e concursado. 

Não necessariamente nessa ordem, mas a passos firmes.

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