Pular para o conteúdo principal

A institucional leveza do ser


Não existe emprego perfeito. Em uma das suas palestras, o psicólogo/consultor empresarial Waldez Ludwig me impressionou com um pensamento diferente da ordem vigente da época em que eu o descobri. Ironicamente, foi o mesmo período no qual eu comecei a descobrir os supostos pré-requisitos para ingressar no mercado de trabalho. 

“Na vida, a gente precisa gostar do que faz; não o contrário. Se todo mundo fizesse o que gosta, não haveria nada no mundo.”

Contra fatos não há ressentimentos. Isto é, a não ser que você tenha a sorte de conseguir escolher uma área em especial para se qualificar, e indicações o bastante para te encaixar nela pós-formatura. Seja como for, a ordem natural parece ser imutável: trabalhe com o que gosta e aprenda a odiar o que gosta, se o que gosta envolve fazer parte de uma suposta organização. 

É até engraçado, parando pra pensar, em como são poucas as organizações cujos processos fazem jus ao título. Vez por outra, é mais frequente perder-se em meio ao caos institucional de requerimentos, formulários e redes sociais corporativas.

Depois de passar por diversos segmentos – atendimento ao cliente, prestação de serviços, capacitação técnica pública, prática clínica, telecomunicação – foi uma novidade, anos atrás, finalmente fazer parte de um departamento estruturado e consolidado em uma empresa. As ferramentas de trabalho, os intervalos para café e – sem dúvida – os benefícios eram incomparáveis até então. Parecia perfeito.

A única parte ausente do treinamento inicial, no entanto, parece ser justamente a maior e, ironicamente, mais silenciosa demanda: você, colaborador(a), é uma engrenagem, destinada a manter uma instituição funcionando. Caso sua manutenção torne-se desafiadora demais ou – por Deus! – você pense numa maneira de aprimorar os procedimentos, será dispensado e/ou substituído por outra mais atenta à sua função neste mundo.

Nenhuma boa ação sai impune, ou, como é conhecida no cenário corporativo, “toda pró-atividade será punida”. Infelizmente, esse parece ser o movimento atual das empresas diante de atuais e futuros funcionários: bata o cartão, faça seu trabalho, sorria nas fotos coletivas, vá para casa antes que o relógio marque hora extra.

Não é tão difícil se encaixar no mercado de trabalho, pensando nele como um todo. O desafio real está em conseguir fazer a diferença, onde quer que você aterrisse. Nessa mesma vertente, parece que quanto mais capacitado você esteja – com seus certificados e currículos com mais de uma página – mais alarmante você soa para um recrutador. Um alerta deve ser disparado no RH: “Atenção! Sujeito a ter opiniões, questionamentos e inconformidades”.

Ao contrário do que me diziam, anos atrás, sobre as portas que se abrem para alguém com um diploma de ensino superior, são vários os casos em que alguém sequer deu atenção à campainha quando espiaram meu currículo pelo olho mágico.

Somos seres coletivos, atraídos pela companhia uns dos outros – nem que seja para ignorá-los enquanto preferimos nos ocupar com o celular. Só a presença de outro corpo no recinto ao lado torna-se reconfortante o suficiente para aquietar nosso desespero interno por sentir-se inadequado e sozinho no mundo. Freud aprofundou-se na tese, em meio aos estudos sobre o tal inconsciente coletivo – apesar de ir longe demais e acidentalmente voltar para o útero da sua mãe. Em contrapartida, Nelson Rodrigues imortalizou o seguinte: “Toda unanimidade é burra”. 

Nada contra fazer parte de um coletivo, um grupo ou uma organização, mas não se esqueça de quem você e a diferença que pode – e deve – fazer. Por isso sou tão suscetível a palavras-chave em anúncios, como “plano de carreira”, “espaços de debate”, “grupos focais”, “capacitação de lideranças”, e outros slogans. A ideia de fazer parte de uma corporação é, por via de regra, contribuir. Mas além das tarefas a serem executadas, o espaço para ajuda-la a melhorar parece mais vetado do que incentivado. “Abaixe a cabeça e faça seu trabalho, ou acharemos outro que reclame menos.”

Não é sobre ter todos os vales-transportes/alimentação/moradia do mundo pra si. É sobre ser livre para realmente contribuir para o crescimento de uma empresa, que cumpra a promessa de também ajudar com a sua. Estamos nisso juntos, ou após as 18h é cada um por si? 

Não existe emprego perfeito. Alguns, porém, dão mais trabalho do que consta em contrato.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento