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O amor nos tempos da covid


Suponhamos que o mundo esteja realmente acabando. Você finalmente acharia tempo para falar de amor de novo?

A retórica é pessoal. Isso porque não me lembro exatamente da última vez que me coloquei nessa posição – tanto de escritor quanto de quem de fato para pra pensar sobre isso. É fácil se distrair entre tudo que acontece no mundo lá fora, antes mesmo de sermos afastados dele. Teoricamente, agora seria o momento de olhar para dentro. 

O mundo entrou em modo avião, promovendo introspecção em escala global. Não há ninguém nas ruas, nem para onde ir. E agora? Bom, talvez agora seja o momento de se recordar de como chegou até aqui. Ou então, de que o amor com o qual você tanto sonhou ainda faz parte dessa equação.

É fácil se esquecer do fundamental. O silencioso óbvio que dispensa apresentações, no entanto, justamente se torna evidente ao não ser apontado. Pode ser que não existam lições a serem aprendidas aqui e agora, e nada disso seja algo além de mera especulação. Digamos, mesmo assim, que esse tempo possa ser emocionalmente produtivo, e você perceba que não se lembra mais do tom de voz que o óbvio possui. 

Talvez agora seja uma boa hora para colocar o seu “eu te amo” em dia. Não porque há o risco dela desaparecer – embora exista sim, como sempre existiu. Mas porque, vez por outra, o fundamental merece ser enunciado. Foi amor que te trouxe até aqui. Nada mais justo reconhecê-la para seguirem adiante.

Ausência. Desconexão. Colapso. Quanto mais eu penso na recorrência de certas palavras nos telejornais, mais difícil se torna evitar a noção de que este talvez seja o fim. Não de tudo, mas de um tanto. Haverá quem prometa agir diferente daqui pra frente, assim como haverá quem julgue tudo isso como um devaneio pandêmico. Crises significam coisas diferentes para pessoas diferentes. Ironicamente ou não, o amor costuma operar sob uma logística similar.

Já faz tempo que não dedico palavras a mim mesmo – quem dirá a outros. Como se não houvesse mais valor em tecer romances semânticos na falta de uma demanda a ser atendida. Ou uma angústia a ser desconstruída. Ou um amor a ser lembrada que ainda é vista como sinônimo de um lar para dois. A contradição dos dias úteis parece ser o quão pouco de valor produzimos neles. Não que dias úteis ainda justifiquem sua própria expressão. Também faz tempo que o mundo passou a ser vivido por interlúdios.

Mesmo assim, decido essas palavras a mim e a quem precisar delas. Há anos repito que o mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer. Diante de dias como esses, anos após o epílogo da cólera, tal promessa parece mais relevante do que nunca. Começando por você, meu amor. Meu mundo ainda é seu.

Em meio ao pandemônio, não se esqueça de que ainda há vida lá fora. Mais do que vida; amor, inclusive. Lembre-se de quem você é, mesmo que nada volte a ser como antes. Pode ser que não tenhamos para onde fugir ou como se esconder – por isso criamos a poesia. O eterno refúgio dos amantes, a esperança dos vagantes, e o remédio das almas enfraquecidas.

Eu não sei se ficará tudo bem, mas é bom pensar que sim. Rendição nunca foi meu forte, mesmo nas enfermidades.

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