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Eu não mandarei rosas


Promessa é dívida. Comigo mesmo, no caso. Isso porque, anos atrás, eu tomei uma decisão. Foi o tipo de coisa que se faz aos vinte e poucos com todo o otimismo do mundo, sem considerar por um segundo que, diante dos vinte e muitos, você não só já descumpriu a promessa mil vezes, como o peso na consciência por isso só aumenta. Por outro lado, talvez seja esse o peso que te afunda na balança e não os lanches aleatórios da madrugada ou a dieta líquida na qual você se mantém firme: cerveja no calor, vinho no inverno, vodka entre eles.

 

A promessa em si vai além disso – ainda que acabe dando a volta e retornando aos destilados eventualmente. Era alguma coisa sobre amor, pra variar. Sobre razões para acreditar, momentos que façam a vida valer a pena e umas trilhas sonoras infames para acompanhar. Porque a verdade é que, anos atrás, eu costumava ser movido por romance, não rodízios, e amores, não álcoois. Não se tratava de precisar de alguém para amar, mas de simplesmente ver mais sentido numa vida à dois. Algo tão frustrante quanto inspirador na mesma proporção, com desvios de conduta entre um ponto e outro.

 

Para quem não conhece, eis o compromisso que carrego por anos: “O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são, e a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer”.

 

Aconteceu que, de lá pra cá, o mundo não só venceu inúmeras vezes, como deixar de acreditar tornou-se mais tendência do que qualquer alternativa. Porque depois de tantos primeiros encontros, segundas intenções e terceiros strikes, o que resta senão os arrependimentos errados e músicas tristes? Os vinte e muitos podem parecer rasos em retrospectiva, mas não é à toa que dizem que são eles quem formarão o seu caráter. Ou seus traumas – depende da interpretação.

 

Mas ao mesmo tempo em que eu penso no quão libertador deve ser deixar de acreditar, isso invariavelmente me assombra. A ideia de que nada disso possa ser real: parcerias, comprometimento, cumplicidade. E se não for, qual é a verdadeira alternativa? Sarcasmo, olheiras e dorflex, quem sabe.

 

A outra temível verdade é que mesmo quando tudo dá errado, eu continuo irremediavelmente atraído pelos clichês. Abrir a porta do carro. Perguntar como foi o seu dia. Levar café na cama. Escrever sobre você. Mandar rosas a você. Tudo que possa existir antes e depois de andarmos de mãos dadas no shopping. Se a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos, significa que algum norte inicial é preciso seguir. Preferencialmente na mesma direção do que deseja alcançar. Ser solteiro é divertido, apesar de aleatório, mas ter a quem perguntar como foi o dia são outros quinhentos. E, convenhamos, existem vícios mais nocivos que romantismo. Ironia, por exemplo.

 

É por essas e outras que apesar de toda crença que ainda exista aqui, eu vou aprender a me conter. Tal como os deslocamentos desnecessários, é preciso saber como, quando e onde o romantismo realmente cabe – e onde ele definitivamente não se encaixa. Só há um problema nesse plano: esperança é algo involuntário demais para se manter sob controle. Por isso é tão difícil, digamos, pensar em você e dizer a mim mesmo que não mandarei rosas. Justamente quando rosas combinam tanto contigo.

 

Talvez o mundo não tenha vencido. Quem diria?


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