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O princípio da incerteza


Dez anos antes de conhecer aquela que seria sua futura esposa, Werner Heisenberg formulou aquela que seria sua magnum opus: o princípio da incerteza. Há quem defenda – com fundamentada razão – que Heisenberg estava mesmo querendo reforçar o quão precisas as partículas subatômicas devem ser para que se possa determinar seus movimentos exatos ao teorizar sua mais famosa hipótese. Mas se o passado cro-magnon e o futuro pós-revolução industrial servirem de alguma análise posterior, eu afirmaria algo diferente: ele fez o que fez por uma mulher. Por nenhuma razão além do que parece ser óbvio: nenhum homem se dedicaria tanto ao estudo das menores partículas existentes que compõem o vasto universo ao seu redor se não quisesse deixar sua própria marca nele – e, quem sabe, impressionar uma colega em alguma festa durante seus anos dourados em Munique.


O que faz pensar sobre as minhas próprias certezas – ou, sendo mais preciso e sincero nesse caso, a falta delas. Exatamente quantas certezas alguém à beira dos 30 anos deveria ter para seguir adiante com firmeza no rumo que escolheu para si? Logo eu que, entre tantos dilemas universais, continuo ambivalente até hoje quanto ao meu gosto por vinho. Seja um nobre Pinot Noir argentino ou um Campo Largo do mercadinho da esquina: desde que eu fique bêbado, tem diferença?


Minhas incertezas quanto as minhas incertezas começaram bem antes disso. Já faz alguns anos em que um único objetivo se destaca entre toda a minha agenda de vida. Em algum lugar entre concluir um mestrado e finalmente perder 10 kgs, seria bom conhecer o amor da minha vida antes de que ela chegasse ao fim. Se é possível eu não sei, mas como pertencente da mesma raça de seres que foram capazes de separar, analisar e distinguir uma partícula subatômica de outra e, além disso, calcular seus movimentos, não é possível que encontrar alguém para passar vergonha comigo num karaokê seja mais desafiador que isso.


Elevando o princípio da incerteza a outros contextos, o conceito deixa de ser tão pejorativo e passa a ser a diferença entre liberdade e uma sentença perpétua. Num tribunal, por exemplo, dúvida razoável pode te livrar de um assassinato. Num noivado, por outro lado, pode só fazer você se sentir uma pessoa ruim. Tudo depende das circunstâncias e, claro, do júri. 


A verdade é que no mundo material em que vivemos certas teorias tendem a se sobressair sobre outras. Hipóteses cientificamente comprovadas como a de Heisenberg dão de 10 a 0 em outras suposições mais instáveis como as do coração. Agora, não me diga que é coincidência Heisenberg ter esclarecido não só as suas próprias dúvidas quanto as do universo em si antes de decidir casar e ter filhos com Elisabeth Schumacher – uma personagem menos conhecida do mundo da física quântica. Talvez ele precisasse alcançar aquela que seria sua magnum opus acadêmica antes de dedicar-se a uma obra prima ainda mais delicada que a harmonia entre átomos: a harmonia conjugal.


Parece fácil perder-se cada vez mais em teorias, questionamentos e princípios sobre o universo e a vida dos outros, ao contrário de realmente posicionar-se quanto a sua própria. O que estou fazendo aqui? Para onde estou indo? Quem irá comigo? Tudo realmente se resume ao equilíbrio de moléculas, movimentos precisamente calculados a nível subatômico e – por que não? – mãos dadas no shopping? Talvez. Ninguém nunca terá as respostas, salvo meu futuro biógrafo e – admito – o futuro psicólogo dos meus filhos que, assim espero, esteja ajudando-os com a dificuldade de aceitar que nunca serão tão sábios quanto seu pai. Parece ser uma alternativa melhor do que pensar que foram parar em um divã porque eu não os abracei o bastante. Já diz a própria Física: a união entre corpos é mesmo complicada.


Talvez eu sempre tenha dúvidas e viva questionando tudo e todos ao meu redor, mas chega um momento em que todos nós precisamos impor algum limite à nossa própria incerteza. Em se tratando do coração, pelo menos as coisas ficam mais fáceis do que qualquer estudo acadêmico sobre as leis do universo e seus desencadeamentos. 


Assim como num estudo científico, num tribunal e num karaokê, tudo se resume a elas: as evidências.


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