45 anos atrás, Pink Floyd disse que não precisamos de educação e aqui estamos nós: aparentemente muito confortáveis com a nossa imprudência. Claro: não imaginávamos que um hino rebelde poderia nos deixar tão mal acostumados, e realmente não é de se culpar o hino - nem nada ou alguém na verdade - a não ser nós mesmos pelo estado da nossa cultura.
O problema, como é de se esperar, mora na interpretação de texto - ou então, especificamente, no nosso jeito de ler e reproduzir o mundo à nossa volta, à nossa maneira, sob uma visão espetacularmente egocêntrica. Pelo visto Pink Floyd não percebeu que, ao tirar a educação da equação, também estava abrindo a porta para a insensatez sem limites. O que nos leva ao novo grande mal estar da humanidade (e outro sério problema acadêmico): a justificativa sem fim.
Assim como Pink Floyd nos absolve da necessidade de qualquer educação ou controle de pensamento, passamos a admirar toda e qualquer instituição capaz de assumir a responsabilidade sobre nossas ações – independentemente desta ser real ou imaginária, desde que ainda preencha o requisito de ser conveniente. Ao nos definirmos por hinos, inevitavelmente abrimos mão de quem somos. Há uma linha tênue entre rebeldia e fanatismo que raramente se faz presente até ser tarde demais.
Por que estou dizendo tudo isso? Porque eu posso, ora – esse é o ponto. Tudo nos é permitido hoje em dia: você pode escrever, compor, cantar, marchar ou fingir que nada no mundo lá fora envolve alguma participação sua. Somos livres para ser (ou deixar de ser) quem quisermos, mas isso não reflete nenhum grande avanço cultural. A verdade é que sempre fomos livres, mas também sempre estivemos cientes do peso dessa liberdade toda.
Por isso também sempre estivemos mais do que dispostos a terceirizar a responsabilidade sobre nós mesmos: seja culpando a cultura, a sociedade, ou apenas quem estiver ao nosso lado no momento.
Pink Floyd não é responsável por nenhuma grande falência social, tampouco deve assumir as pequenas transgressões nas quais você e eu nos envolvemos diariamente. Sua fama não se deve apenas às melodias que compartilhou com o mundo, mas à justificativa que ofereceu a nós sobre ele. Não precisamos de educação, diz a música, porque o sistema está quebrado e obcecado por nos controlar. Repito: tudo que convenientemente se coloca à nossa defesa, justificando nossos atos e vitimizando nossa índole, sempre será bem vindo.
A consequência disso é que nos esquecemos exatamente de como chegamos até aqui e cobramos os outros pelos nossos descaminhos – até mesmo outros que sequer tem parte nisso. Não obstante, nossa cultura gira em torno de tudo que seja capaz de nos proteger de nós mesmos, ainda mais quando nossas crenças nos levam a supostos sacrifícios pessoais.
Assim como aprender que culpa e responsabilidade não são a mesma coisa, assumir a responsabilidade sobre si mesmo é e sempre foi algo pesado, complexo e às vezes até sombrio demais para conviver lado a lado com as nossas crenças. Isso porque a responsabilidade nos obriga a abrir mão do posto de herói e aceitar que, vez por outra, somos mais vilões do que gostaríamos de admitir – ora, afetando a vida de alguém; ora, sabotando a si mesmo.
Por mais hipnotizantes sejam os hinos que escutamos ou as histórias que repetimos a nós mesmos, o intervalo entre as canções e o silêncio provocado pela ausência do outro sempre obriga que enfrentemos uma realidade inevitável: somos livres para ser e para fazer o que quisermos, mas ninguém tem qualquer ligação com isso. Tudo que fazemos supostamente pelo outro é e sempre será responsabilidade nossa, e isso não é nada senão o mais educado a ser feito.
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