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Um pouco de cultura é normal

Quantos livros você lê por ano? E quantos filmes você assiste por mês? Consegue se lembrar da última vez em que foi ao teatro? As pessoas tem um jeito curioso de conceituar cultura, do mesmo modo em que julgam e diferenciam aqueles que a possuem daqueles que não sabem quem foi Humphrey Bogart ou pensam que Barbra Streisand é apenas um remix. E dizem que é importante ter vocabulário, interesse pela leitura e pelas belas artes, de tal modo que qualquer coisa que você faça a partir daí passe a ter um certo toque de sofisticação, mesmo quando se sabe ao certo como soletrar "sofisticação".

Dizem também que cultura mesmo é conhecimento geral, é estar atento quanto aos últimos acontecimentos do mundo, desde os mais banais até as calamidades públicas, as pequenas novidades e as grandes reviravoltas, como a atual situação política de Gana ou a reconstrução relâmpago do Japão que, em questão de semanas, ultrapassou o progresso do Brasil sobre a construção do novo estádio para sediar a Copa do Mundo de 2014. Há quem diga que nosso país em si é carente de quesitos culturais, mas não passam de generalizações feitas por aqueles menos intelectualmente afortunados, cujos animais de estimação possuem mais contato direto com o jornal do que eles - nem que seja apenas para dar na mesma merda.

Mas o que realmente define cultura? Como podemos dizer que temos cultura, e é mesmo possível fazer comparações quanto ao nossos diferentes modos de adquirí-la? E se pararmos para pensar bem, para que serve a cultura mesmo? Algumas pessoas conseguem participar tranquilamente de sérias discussões sobre geopolítica ou a crise econômica mundial e seus desobramentos atuais que vão da América Latina até a Ásia, sem nem saber quais os nomes dos oceanos que existem entre elas. Basta balançar a cabeça, encolher os ombros em desdém, e dizer com um ar de insatisfação, "Isto é inacreditável!". Eu me lembro de uma novela em que um homem tenta passar sua namorada, uma prostituta, por uma socialite em uma festa de casamento da alta sociedade, e a ela é ensinada apenas uma frase capaz de encaixá-la em qualquer conversa no recinto - ela se aproximava das senhoras esnobres e suspirava, "Que boa idéia este casamento primaveril em pleno outono", somente para depois perguntar se "primaveril" era o nome de algum remédio.

Cada um constrói a sua cultura do modo que acha melhor, porque os críticos estão por toda parte e sempre prontos para empinarem seus narizes e julgarem seus gostos como inferiores ou simplórios, quando na verdade passam as noites de sábado em casa assistindo "Zorra Total" e engasgando-se nas risadas enquanto tomam groselha de canudinho. Não é um filme da época de 60 ou um dos livros mais vendidos segundo a Veja que vai te tirar da zona de alienação e inserí-lo no mundo dos bem aventurados culturalmente, mas convenhamos que ao menos saber enxergar o pleonasmo agonizante existente na frase, "Há alguns anos atrás...", é o mínimo... Não é?

***

- Aquele filme é muito interessante, especialmente para aprofundar os conhecimentos do nosso curso. Você não acha, Igor?

- Eu não vi...

- Como assim, não viu?!

- Eu não tenho cultura mesmo...

Depois de cometer inúmeras gafes devido ao meu baixo nível de prática intelectual, uma das minhas resoluções para este ano é tentar adquirir um pouco mais de cultura, não para sobreviver a conversas mais elevadas ou para causar uma boa impressão em meus circulos sociais tão insustentavelmente frágeis, mas porque um pouco de cultura é normal mesmo. A meta é pelo menos um filme por semana; todos os filmes que sempre quis ver mas nunca tive tempo ou fui atrás, agora tem seu espaço garantido em meus fins de noite, desde os trash até os clássicos, com brecha até para algumas sessões de flashbacks - apesar que, talvez rever "Um amor para recordar" não tenha sido uma idéia tão boa...

Ao som de: Only Girl (In the World) - Aston.

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