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15 de Abril

Você não pode prevenir o que não pode prever. Porque não importam os seus planos, se o dia está corrido, se está faltando tempo na sua rotina, se existem mais problemas do que esperança, se você precisa passar no mercado depois do trabalho antes de ir para casa ou se você perder aquele ônibus vai ter que esperar quarenta minutos por outro; o acaso vai te encontrar, e vai te fazer perceber que nós não temos controle algum sobre esta vida. Nós tentamos, e nos esgotamos muito por isto, mas é o que acontece. Se você precisar dar um jeito de passar no mercado, você o fará mesmo que apavorado e sem fôlego. Se perder aquele ônibus, você vai ter que esperar pelo próximo por mais que o tempo perdido te machuque. E se você se apaixonar, vai ter que admitir isto mais cedo ou mais tarde porque não há mais jeito; o sorriso dela é o motivo do seu, e é por ele que você espera quando chega em casa e todos os dias agora são motivo de comemoração.
Quanto a mim, 4 de Abril era só 4 de Abril, e a rotina diária se repetiria sem grandes eventos ou menções memoráveis para as próximas épocas. E como eu estava estressado naquele dia; com o trabalho, com os deveres da faculdade, com a rispidez das pessoas e a frustração crescente que eu continuava a carregar a cada dia – exatamente pelo fato que parecia estar fadado àquela rotina sem grandes eventos ou menções memoráveis para o futuro. E foi exatamente com este estado precário de espírito, olhos cansados, corpo doído e coração partido que eu a encontrei. E do momento que eu a conheci em diante, a vida ganhou cor. A rotina saiu dos trilhos, os pensamentos passaram a ter rosto e nome próprios, e o coração... O coração parecia aliviado, na falta de um sentimento mais apropriado para sentir. Não que ainda fosse muito bom em reconhecer sentimentos; estava cansado e ferido, mas seguia em frente porque não havia outro caminho, porém sempre lançando alguns rascunhos de esperança no olhar ao horizonte, acreditando por cinco segundos que a vida poderia mudar. E mudou.
Passados alguns dias, minha surpresa com ela ainda não havia esfriado, mas não haviam dúvidas; 10 de Abril seria apenas 10 de Abril e nada mais. O corpo continuava cansado, a esperança cada vez mais arrastada, e o coração daquele jeito; cambaleando a ponto de parecer que não iria resistir por muito tempo ainda. Mas no fim daquele dia, quando eu percebi que não havia mais nada a perder a não ser meu nome e a parte da alma que me sobrou (a parte que não distribuí em vão para tantos outros corações, que se apoderaram do que lhes era útil e partiram sem aviso ou a cortesia de uma explicação plausível), eu decidi que algo precisava mudar. Algo dentro de mim quebrou, algo além do meu coração, e como o despertar de uma ressurreição eu corri atrás exatamente do que eu suspeitava que poderia trazer o meu fôlego de volta. Eu a procurei novamente, mas com total intuito de que ela voltasse para mim para ficar. E então o extraordinário aconteceu: ela voltou, e ela quis ficar.
Algumas pessoas se descuidam a ponto de perderem a si mesmas, e deixam coisas que consideram superfulas (como esperanças, sonhos e aquela velha teoria cansada e desgastada sobre amor) para trás, acreditando que assim serão capazes de seguir adiante mais rápido para encontrar o que tanto procuram, mesmo sem saber o que é que lhe fará sentir realmente pleno ou até mesmo feliz. E então o acaso chega para provar que de nada adianta desistir ou reclamar, ou tentar voltar para trás – para o familiar – porque está cansado de falsas surpresas ou pior, de nenhuma surpresa. Quem manda nesta vida não somos nós nem nossos patrões ou compromissos; é o acaso que vai nos proteger e fazer acontecer o que tiver que acontecer quando o momento for certo, e quando você estiver pronto. E quando é o momento certo? Esta é a beleza do acaso: ele não avisa com antecedência quando você estará pronto, ele simplesmente aparece na sua frente e te faz perceber que a hora é agora, que não há mais espaço para medo neste coração, e que quando eu parecia exausto, confuso e perdido, era você quem eu procurava. E quando o 15 de Abril veio, eu descobri que estava certo.
Você não pode prevenir o que não pode prever. Ainda bem. Pior do que sentir-se desamparado pelo destino, seria perdê-lo por optar pelo caminho que achamos que é o certo. E falando por experiência própria; eu estive perdido a maior parte do tempo e não faço ideia de como cheguei até aqui, ou de como encontrei você. Eu só agradeço e sorrio, e às vezes até dou risada.

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