Pular para o conteúdo principal

P.S. Eu sorri

O tempo é uma coisa engraçada, e provavelmente não é a primeira – e nem será a última – vez em que descubro isto. Digo isto porque hoje aconteceu algo tão astronômico, porém tão simples, que agora em vês de encontrar as palavras certas para descrever o que aconteceu, a única coisa que sinto vontade de dizer é saudade. Saudade daqueles vinte e cinco minutos em que eu, pego com alguns instantes de fôlego a mais entre um compromisso e outro, simplesmente sentei debaixo de uma árvore e esperei. E enquanto esperei, observei como a vida continuava a acontecer ao meu redor, com apenas uma diferença: nada daquilo era comigo, e como foi grande aquele alívio.

Foi a coisa mais assustadoramente tranquila do mundo, apenas assistir a vida seguir seu rumo sem nenhuma pressão, nenhum prazo para tentar alcançar, nenhum pedido para atender, ninguém para responder nem nenhuma necessidade de produzir algo novo. Eu estava simplesmente sentado, assistindo tudo acontecer de camarote, e qual foi a última vez em que consegui fazer isto? Não lembro, e me assusta também pensar que não sei quando será a próxima oportunidade de conseguir uma pausa no meio de toda essa agitação, todo esse caos que guia a rotina dos meus passos pela cidade afora. Foi tranquilo, foi acolhedor, foi maravilhosamente refrescante a sensação de ter tempo de sobra e aproveitar dele para respirar fundo e deixar que todo o resto continuasse a desabar, enquanto eu permanecia ali sentado com um caderno aberto que eu estava decidido a ler e uma caneta em mãos com a qual parecia mais interessante brincar do que forçar qualquer nova atividade intelectual.

O tempo parou para mim, e pela primeira vez em muitos dramas eu fui capaz de observar o quanto somos atarefados e o quanto somos apressados para dar conta de todas as outras coisas que escolhemos para compor a nossa vida, mas que precisam de constante cuidado e atenção. E sabe o que mais eu percebi? O quanto o céu tem um tom azulado mais forte durante o Outono. Acho que era exatamente isto que tomou conta de mim naquela tarde; entre o infernal Verão e o tenebroso inverno, fui invadido pela mediação do Outono e a graça de alguns instantes de transição, antes de voltar a caminhar rumo à minha próxima estação.

Eu vou sentir muita falta daqueles vinte e cinco minutos, especialmente quando a vida que eu escolhi para mim começar a parecer tão sobrecarregada de novo, o que não vai demorar muito tempo também. Apesar de ser a vida que eu escolhi para mim – a vida que eu acredito que me fará feliz – às vezes parece que arrumei compromissos demais, prazos demais, pessoas demais e cobranças demais para uma alma só. E que alma cansada é esta que eu venho carregando, tenho que admitir. Definitivamente, eu preciso arrumar mais tempo para ter tempo.

P.S. Eu sorri.

Ao som de: Yellow – Coldplay.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento