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O soneto da fidelidade (parte 2)


          Mesmo sem ter tanta experiência assim em se tratando de relacionamentos e suas respectivas regras de convivência, eu aprendi que em hipótese alguma é possível manter alguma espécie de vínculo saudável com uma ex-namorada. Não adianta vocês quererem se convencer de que são pessoas adultas, maduras e sensatas que participam ativamente da sociedade moderna do século XXI; em algum momento as lembranças das mãos dadas, dos beijos trocados e das pernas descobertas pelo lençol irão te alcançar, bem como as discussões infames, os discursos prontos e as dores de cabeça que o amor, ah o amor, um dia se virou contra você e te fez questionar o que havia feito para merecer tamanho castigo.
            Tudo faz parte do processo natural da vida, como já dita a própria física: dois corpos que decidiram se separar tendem a permanecer distantes. Namoros, compromissos e casamentos duram o tempo que você conseguir se esforçar para mantê-los. Separações, despedidas e divórcios são para sempre. Sem querer parecer horrivelmente cínico; é só uma observação de quem não viveu muito, mas viu muita coisa por aí capaz de me desmotivar a querer tentar entregar meu coração de bandeja para outra pessoa, assim, com a maior facilidade do mundo, sem ter medo de que ela o jogue no chão, atropele com o carro, chame amigos para fazerem manifestações populares em cima dele, e depois aponte e dê risada. Mas pode ser só bobeira minha mesmo.
            Mas quando a Amélia me chamou, de repente todas as teorias, todas as lembranças ruins e até mesmo a própria realidade se tornaram irremediavelmente questionáveis. Um “Olá” depois de três meses? Um “Olá” aparentemente despretensioso depois de tanto tempo e tanta coisa? Um “Olá” depois de “Nunca mais me procure, nem tivemos nada sério, vai cuidar da sua vida e me esqueça!” definitivamente queria dizer algo a mais. Olá, Amélia, tudo bem? Tudo bem e com você? Tudo bem...

- Então, só queria dizer que sinto muito pelo jeito que te tratei na nossa última conversa. Foi cruel da minha parte e me sinto mal por fazer isso com alguém. Saiba que só guardo lembranças boas do nosso tempo juntos agora, e que você encontre o seu amor logo...

            Era um Domingo de noite, de um dia qualquer de um fim de mês de férias. Era o ápice do tédio, do calor de Janeiro e da temporada de mariposas atraídas pela luz do quarto. Era o momento mais insosso para uma conversa desse tipo. Era tudo que eu jamais esperava ouvir, depois das últimas palavras que Amélia me disse há três meses. E você pensou nisso por três meses, Amélia, ou sentiu meu perfume em alguém quando pegou seu ônibus de volta pra casa e repentinamente se lembrou de mim, de nós, e das coisas boas que compartilhamos antes de todo aquele asco, todo aquele drama. Todo aquele fim que, pelo visto, não tinha fim. Até agora.
            Difícil dizer exatamente o que eu senti. Orgulho, raiva, compaixão? Por ela? Por mim? Por nós? Eu não sei. Só o que sei foi que, naquele momento, minha memória imediatamente me trouxe de volta a imagem da mamãe reescrevendo aquele poema do Vinicius, sentada à mesa da sala, e as molduras que desde sempre remetiam a mim o prelúdio e o desfecho de uma história de amor. “De tudo ao meu amor serei atento [...] mas que seja infinito enquanto dure." Pra ficar perfeito mesmo só faltou o interlúdio, o enredo, a história em si. O desenvolver desse amor que, mesmo depois de tanto tempo desde a primeira vez que li o poema e tentei reescrevê-lo, eu ainda não era capaz de produzir. Certamente sou capaz de grandes epílogos de paixões memoráveis, bem como a implosão destes mesmos sentimentos através de proporções homéricas. Eu, definitivamente, deveria ter me importado mais com o interlúdio:

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

            O que me alivia, de certa forma, é saber que a Amélia vai ficar bem, apesar de mim. O que me enlouquece, de outra forma, é pensar que talvez eu me torne mesmo um mestre dos romances, dominando com maestria aquele primordial olhar até a decadência de dois corações, sem nunca realmente ter conhecido o que o Vinicius vem tentando me dizer há anos. Não é o começo do amor que importa, muito menos o seu fim. É o que você faz para mantê-lo, todos os dias, a cada vão momento da nossa existência, que vai fazer toda a diferença.

            Talvez às vezes fosse melhor ir para a cama à noite com mais beijos e menos literatura.

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