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A eterna quinta série


Por mais evoluídos e maduros que gostamos de pensar que somos, há sempre um passo em falso a ser dado na estrada rumo à estabilidade emocional. Como se certos aspectos da vida fossem desenhados especificamente para trazer à tona o pior de nós. Como no caso dos torcedores de um determinado time, que agrediram dois indivíduos por estarem simplesmente torcendo pela equipe adversária. Apesar de errado, não é incomum para o contexto – ou falo aqui apenas por mim, ao tornar-me a pior pessoa possível em se tratando de competições, reais ou imaginárias. O agravante do caso em si, é que as vítimas foram uma mulher e uma criança.

A verdade é que, em se tratando de qualquer disputa, seja ideológica, profissional ou arbitrária, todos eventualmente somos reduzidos aos nossos piores impulsos. Cabe a nós decidirmos se sucumbiremos a eles ou não. Agiremos como adultos dotados de inteligência emocional e cabeça fria, ou como crianças irracionais e passionais? Ou, no final das contas, não passamos de alunos de uma eterna 5ª série? Conversando quando não devemos, sentando em lugares proibidos, desafiando as leis, brigando sem necessidade, vivendo em negação perante nossas responsabilidades, e alheios a toda e qualquer evidência de que precisamos colocar nosso Id em cheque e crescer.

O que leva alguém a agredir outra pessoa literalmente por esporte? Não é um sentimento distante de qualquer outra discordância, independente do cenário. É o mesmo catalizador que provoca brigas em relacionamentos, fraturas em amizades, ou desavenças no escritório. Há um senso de merecimento que foi partido, uma aparente injustiça cometida, e uma necessidade de corrigir o que foi feito – ora pelo diálogo inflamado, seguindo para a força bruta mediante a falta de resposta apropriada para a injúria em questão.

Falando como alguém que briga – e muito – com tudo e com todos, por princípios e por sistemas meritocráticos inexistentes, confesso que entendo o impulso. Nunca defenderia o que houve naquela arquibancada, e torci pela reparação tanto quanto outras pessoas que assistiram ao fato e procuraram estender apoio aos atacados. Mas preciso admitir meu lugar na classe, em se tratando de atacar outros colegas apenas por discordar da lição dada pela vida. Nem sempre o talento será recompensado, diante da indicação profissional alheia. Ou então, vale mais guardar seu orgulho no bolso e desmantelar uma discussão na raiz para continuar andando de mãos dadas com seu(a) parceiro(a) pelo shopping.

Evidentemente, entreveros deslocam até mesmo as pessoas mais próximas – como colegas que sentam lado a lado na classe. Melhores amigos, até que um seja promovido em detrimento do outro, nascendo assim o “climão”. E o que fazer com toda a frustração que se faz presente no vácuo criado? “Briga! Briga! Briga!”, clamaria um aluno ao fundo. “Vai deixar isso barato?”, diria outro. “Isso não aconteceu à toa, com certeza ele contribuiu para isso...”, adicionariam à mistura de ressentimento e senso de justiça que fermentam qualquer afronta, e pronto. Brigar é ridículo? Sim. Desnecessário? Muito. Normal? Desde que o mundo é mundo, ou não haveria sequer discussões desde como ele surgiu, até o próprio formato da Terra.

Infelizmente, brigar faz parte do cotidiano. Desentendimentos, no entanto, tem sua zona de protesto livre até certo ponto. Você pode ser claro sobre a injustiça que lhe consome, sem protagonizar outra às custas de alguém que nada tem a ver com a equação. Até mesmo quando há consentimento entre a desavença, nada justifica um ataque direto, ou as professoras do primário não insistiriam nas verdades universais sobre violência: não leva a lugar algum, a não ser mais violência.

Não obstante, todos levamos conosco alguma cicatriz do Ensino Médio para o resto da vida. Seja uma insegurança física, um desequilíbrio emocional, ou um escudo feito de sarcasmo. Ironia ou não, certas brigas vivem em nós, com nós mesmos, pra sempre. Você decide quem ganha.


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