Pular para o conteúdo principal

Medo e delírio em Foz do Iguaçu


Eu sei que é clichê, mas o que distingue a cafonice do trauma são as tendências da estação. Assim como houve um tempo em que depressão era vista mais como um sinônimo de tristeza do que um verdadeiro diagnóstico clínico, nossas percepções passam por inúmeras mudanças com o passar dos anos. O mesmo é invariavelmente verdade sobre os nossos medos – a não ser que você que está lendo tenha sido o único adolescente da face da terra que nunca teve medo de que ninguém iria gostar de você. Medos, sejam lá quais forem, sempre foram reais para quem os sente. O reconhecimento deles, entretanto, é o que parece estar em alta.

Entre filmes clássicos e fantasias tragicômicas, hoje é o tal Dia das Bruxas – que, diga-se de passagem, não é algo realmente comemorado por aqui, salvo por festividades na firma ou crianças fantasiadas em condomínios fechados, pedindo doce de porta em porta. Ironia ou não, além de celebrarmos de alguma forma nossa atração por jump scares e a adrenalina que provocam, hoje é dia de repetir uma pergunta tão velha quanto os julgamentos de Salém: do que você tem medo? Do escuro? Do misticismo do mundo? De quem realmente estava na casa 58?

Para a surpresa de ninguém, eu evidentemente fui o adolescente tomado pelo medo de que ninguém gostaria de mim. O que, ainda para a surpresa de ninguém, me levou a ser um adulto que gosta de pensar que não gosta de ninguém. Todo medo carrega consigo um air bag embutido, em caso de colisão brusca com a realidade. Se a medida que crescer você acreditar que o que teme não tem mais importância, o medo irá embora, certo? Adicione algumas doses a mais do seu veneno preferido, misture inseguranças a gosto, mexa-se em círculos até ficar homogêneo e pronto. Serve quaisquer pessoas que sintam que se encaixam na receita.

Meu maior e mais recorrente medo, ao auge dos 27, era o infame Chucky. O tradicional trauma de infância, personalizado num boneco vudu amaldiçoado, irônico e debochado, com estatura perfeita para se esconder nos cantos do quarto à noite e me pegar desprevenido, como só os jump scares de filmes de terror sabem promover. É claro que parece ridículo – “É só um filme, Igor. O Chucky não é real, ele não pode te machucar!”, diziam. Aposto que diziam o mesmo do trailer de “Cats e da noção de que Bolsonaro poderia ser presidente. Ambos se tornaram realidade e seguem assombrando populações inteiras, tá ok?!

Não levou muito tempo entre meus esforços comedidos para superar o Chucky e a chegada dos 28 anos, mas fiquei feliz com o empenho. Para quem tem um medo em particular, uma fobia paralisante ou uma insegurança recorrente, superá-la aos poucos é uma vitória silenciosa em meio a uma sociedade barulhenta, onde medos e diagnósticos agora são expostos e ofertados com a mesma importância de um anúncio pop up. 

Não há muita diferença entre as propagandas de “arrume encontros rápidos em sua região com solteiras fogosas” e “adquira sua certificação em liderança coach e otimize seu potencial com nosso curso à distância!”. Heranças de medos pioneiros da internet, como a lenda do pênis pequeno que poderia ser aumentado e do jump scare da propaganda de carro. E o Rickroll, claro, repetindo que nunca iria te deixar, te decepcionar, te contar uma mentira ou te desertar.

Tem medo de que o amor não chegue até você? Tem medo de que seus pais partam dessa para melhor, cedo demais? Tem medo de que seus sonhos não se realizem? Tem medo de que toda a felicidade do mundo ainda pareça insuficiente? Se quer mesmo “comemorar” o Dia das Bruxas, por que não começa colocando em perspectiva o que a data realmente promove? Quais são os seus medos, e como você os tem enfrentado no dia a dia?

Eu começo: tenho medo de descobrir que sou um péssimo jornalista, e de que o preço dessa descoberta envolva mais encargos do que eu estou preparado para cobrir – como ficar longe dos amigos que conheci, dos profissionais com quem aprendi e, como se não fosse o bastante, do amor da minha vida.

Sua vez: do que você tem medo? Sabe por que jump scares são tão eficazes? Porque te pegam de surpresa. Ou seus medos te alcançam, ou você os supera.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 estágios do Roacutan

            Olá. Meu nome é Igor Costa Moresca e eu não sou um alcoólatra. Muito pelo contrário, sou um apreciador, um namorador, um profissional em se tratando de bebidas. Sem preconceito, horário ou frescura com absolutamente nenhuma delas, acredito que existe sim o paraíso, e acredito que o harém particular que está reservado para mim certamente tem open bar. Já tive bebidas de todas as cores, de várias idades, de muitos amores, assim como todas as ressacas que eram possíveis de se tirar delas. Mas todo esse amor, essa dedicação e essas dores de cabeça há muito deixaram de fazer parte do meu dia a dia, tudo por uma causa maior. Até mesmo maior do que churrascos de aniversário, camarotes com bebida liberada e brindes à meia noite depois de um dia difícil. Maior do que o meu gosto pelos drinques, coquetéis e chopes, eu optei por mergulhar de cabeça numa tentativa de aprimorar a mim mesmo, em vês de continuar me afogando na mesmisse da minha melancolia existencial.            

A girafa e o chacal

Melhor do que os ensinamentos propostos por pensadores contemporâneos são as metáforas que eles usam para garantir que o que querem dizer seja mesmo absorvido. Não é à toa que, ao conceituar a importância da empatia dentro dos processos de comunicação não violenta, Marshall Rosenberg destacou as figuras da girafa e do chacal . Somos animais com tendências ambivalentes – logo, nada mais coerente do que sermos tratados como tal.  De acordo com Marshall, as girafas possuem o maior coração entre todos os mamíferos terrestre. O tamanho faz jus à sua força, superior 43 vezes a de um ser humano, necessária para bombear sangue por toda a extensão do seu pescoço até a cabeça. Como se sua visão privilegiada do horizonte não fosse evidente o suficiente, o animal é duplamente abençoado pela figura de linguagem: seu olhar é tão profundo quanto seus sentimentos.  Enquanto isso, o chacal opera primordialmente pelos impulsos violentos, julgando constantemente cada aspecto do ambiente ao seu re

Wile E.: o gênio, o mito, o coiote

Aí todo mundo no Facebook mudou o avatar para a imagem de algum desenho e eu não consegui achar mais ninguém, mas depois de um tempo eu resolvi brincar também. O clima de celebração do dia das crianças invadiu as redes sociais de tal maneira que todos nós acabamos tendo vários flashbacks com os desenhos de nossos colegas, dos programas que costumávamos assistir anos atrás quando éramos crianças e decorar o nome dos 150 pokemons era nosso único dever. E para ficar mais interativo, cada um mudou a imagem para um desenho com qual mais se identifica, e quando a minha vez chegou, não tive dúvidas para escolher nenhum outro senão meu ídolo de ontem, de hoje, e de sempre: o senhor Wile E. Coiote. Criado em 1948 como mais um integrante da família Looney Tunes, Wile foi imortalizado pelo apelido e pela fama de fracassado em sua meta de vida: pegar o Papa Léguas. Através de seu suposto intelecto superior e um acesso ilimitado ao arsenal de arapucas fornecidas pela companhia ACME, Wile tento