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Os arrependimentos certos


Você nunca saberá exatamente qual diferença aquele lugar, aquela pessoa ou aquela experiência fará na sua vida. Não sem explorá-los, conhecê-los, incorporá-los. O que me faz pensar sobre a necessidade gritante que eu sinto para carregar comigo os arrependimentos certos.


Não me leve a mal, mas há algo a ser dito sobre os caminhos que não tomamos por aí. Ou a máxima eternizada por Fernando Pessoa: a vida inteira que poderia ter sido e não foi. Seria inspirador se não fosse trágico. Oportunidades que vem e se vão do nosso alcance por nossa livre e espontânea vontade. Salvo outros extremismos, nada nem ninguém permanece na sua vida sem o seu parecer


Vez por outras, convenhamos, é necessário deixar ela ir. Mas de vez em quando, vale mais a pena abrir espaço para que ela consiga ficar.


Arrependimentos, por sua natureza, parecem negativos. Como se algo ou alguém tivesse passado por nós de maneira tão efêmera que apegar-se a eles teria sido em vão. Então os deixamos ir, restando apenas os vestígios do que teriam provocado em nós. E a vaga noção de que poderíamos ser pessoas diferentes caso tivéssemos nos permitido vivenciá-los em sua plenitude.


Eu não sei quem seria sem tudo pelo que passei, tampouco saberia dizer quem teria me tornado ao ter optado por outra direção, outra cidade, outro amor. E é nesse turbilhão de indecisões que as pessoas costumam entrar nas vidas umas das outras – sem contexto, sem orientações, sem tempo para recapitulações. O que, por sua vez, explica como certas pessoas optam por seguir em frente em vez de tentar entender o que está acontecendo com você. Para, em seguida, decidir se há espaço – ou amor – para você ali.


Não há muito que eu possa fazer sobre todas as outras contradições que encontrarei por aí. Entre becos sem saída e pessoas que não sabem o que querem, é melhor mesmo que eu me ampare nas minha próprias definições e na esperança de um destino leve, descomplicado, inspirador. E que as pessoas, assim como os lugares, continuem me deixando com material suficiente para escrever a respeito deles. Registrando a diferença que fizeram. Respeitando o aprendizado que deixaram. Refletindo a saudade que provocam.


É a isso que me refiro quanto à esperança de vivenciar, daqui pra frente, os arrependimentos certos. Livre de questionamentos eternos sobre quem teríamos sido juntos se tivéssemos nos permitido descobrir. Claro, ninguém quer arriscar ter seu coração partido de tal maneira a ponto dele nunca mais se recuperar. E há muito mais a ser dito sobre corações partidos do que a euforia de arriscar tudo por um mundo desconhecido – melhor pecar pelo excesso de zelo do que exagerar na dose, ainda que isso implique em permanecer estático quando tais oportunidades passam por você.


Eu só acho que viver em extremismos é o equivalente a viver com medo. Incerto sobre o que pode vir, amparando-se na ideia de que todas as pessoas são iguais, todos os lugares possuem a mesma vista, e todos os amores terminam da mesma forma – eles terminam, simplesmente. Mas e quanto ao interlúdio das coisas? Os momentos entre o começo aterrorizante e o fim inevitável onde simplesmente vive-se e permite-se ir com a maré? 


Foi o mesmo pensamento que me fez reconsiderar meu próprio extremismo: a noção de que existe mesmo o amor da sua vida. Se existe, onde ela está? E se não existe, não há nenhuma regra que diga que devemos ficar juntos. Ao menos não sem ter a mais absoluta das certezas – uma máxima cuja qual desconheço alguém que já a tenha alcançado. 


E assim, quando menos esperava, eu abri mão dos meus eternos amanhãs por dias mais tranquilos. Sem pressão, sem análise de discurso, sem duvidar tanto de onde posso estar pisando. Se eu me importar, você saberá. Se não sentir recíproca, partirei. Se quiser me procurar, sabe onde estou. Se não quiser, espero que o que procura lhe faça bem


Já dizia Elis: viver é melhor que sonhar. Por mais desenganos que eu acumule ao longo do caminho, agora é a hora de ser corajoso – e eu sei que meu coração será forte o bastante para lidar com os destroços. Porque arrependimentos, embora aparentemente infames, são mais certeiros do que pontos de interrogação. Vim, vi, venci. Sofri, chorei, escrevi. Vida que segue, do jeito que eu quis.


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