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Promessa é dívida


Quando digo que o mundo não é mais um lugar romântico, minha ideia inicial sempre tendeu a focar apenas no romance de fato, ao longo da vida. Sobre encontrar alguém com quem pudesse contar, na alegria e na tristeza. Alguém para dividir as derrotas, as conquistas, as promoções no supermercado e as parcelas do cartão de crédito. E, realmente, eu ainda considero importante a noção de que a vida foi feita para ser aproveitada a dois. Sozinho, além de faltar assunto, também complicaria certas logísticas – como guardar seu lugar no cinema para ir buscar a carteira que esqueceu no balcão da pipoca. E três, invariavelmente, é demais. 

A essência por trás desse plano é o que realmente importa. O mundo não é mais um lugar romântico e, vez por outra, ele há de tomar o que resta da sua paixão pela vida. Às vezes, o trabalho com o qual você sempre sonhou, desaponta. Às vezes, a cidade cuja qual você escolheu para viver, crescer e – digamos – conhecer mais sobre determinadas regiões de fronteira, simplesmente torna-se pequena demais para a vida em si que gostaria de ter. E, como é de costume, às vezes são as outras pessoas que te desmotivam, dia após dia, descuido após descuido, até que toda a campanha seja abandonada.

O mundo não é mais um lugar romântico. Dito isto, existem duas saídas: encontre algo que suporte fazer – e que te suporte enquanto isso – e apenas sobreviva, ou junte o que puder e fuja do País. Apesar da jurisdição ilimitada da filosofia, ainda há a hipótese de que apenas o Brasil não seja mais um lugar romântico. Quem sabe teria mais sorte na Suíça?

Embora finalmente tenha sido sorte ao encontrar alguém com quem eu quero dividir a minha vida, esta vida em si ainda tem alguns pontos a serem revistos. Tudo bem, você tem alguém ao seu lado quando acorda pela manhã. Alguém que te motiva a sair da cama e enfrentar mais uma luta contra o resto do mundo lá fora. Sabendo o tempo todo que, não importa o que aconteça – se for bom ou ruim, se ganhar ou perder, ela estará em casa, esperando por você (ou no mínimo, te encontrará lá de volta). Mas ao saírem de casa, e ao tomarem caminhos separados, o que te motiva a seguir adiante? Quando seu amor já tem nome próprio, o que define o restante da sua paixão pela vida?

Se a vida é o que acontece enquanto estamos ocupados fazendo outros planos, em prol do que achamos que queremos, isso automaticamente significaria que estamos sistematicamente distantes de alcançarmos o que de fato merecemos? Ou então: onde foi parar a minha paixão pelo resto do mundo?

Ah, é... O mundo tomou.

Alguns dias deixam essa impressão no ar. Como se estivesse fadado ao lugar errado, na hora errada. Cumprindo hora para bater cartão e sacar o pagamento no quinto dia útil. Totalmente e constantemente anulado em termos de colocar um pouco de si mesmo, naquilo que faz para viver. Ou sobreviver. Ou seja lá o que for, que te mantém por aqui, entre nós. O mundo não é mais um lugar romântico, e então eu me lembro do resto do ditado: algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa – não deixe o mundo vencer.

Nada vale a pena sem que um pouco de quem você, não passe adiante nas suas contribuições. É o que me veio a mente quando subitamente decidi ressuscitar meu sonho de ser escritor, e de praticar diariamente a arte de ordenar palavras em determinada sequência, para expressar o que eu estivesse sentindo. Até agora já tivemos muita ansiedade, alguns fatos absurdos, mudanças digitais, toques do destino, e uma determinação inesperada diante de algo que eu sempre quis, mas não sabia exatamente como iria alcançar: estabilidade.

São esses pequenos momentos diários, esses relatos aparentemente infames que passam batido por vários amigos próximos e familiares, que tem me tirado da cama. Não sabia o que seria dessa folha do Word hoje, assim como não esperava que saísse o que foi escrito ontem, e tampouco imagino o que poderá vir amanhã. E chegamos, enfim, a uma palavra chave importante: amanhã. Há quanto tempo eu não escrevia algo sobre o amanhã?

Ironicamente, foi o filme “Nasce Uma Estrela” – e uma adaptação musical ridícula derivada dele – que me trouxe de volta. Retomo o mesmo para explicar porque tem sido tão bom escrever todos os dias, assim como é bom refletir um pouco sobre o que esses dias realmente significam. No filme, há um diálogo envolvendo o uso das notas musicais. Toda música é essencialmente composta por 12 notas entre uma oitava; uma ordem que se repete, assim como diversas histórias pelo mundo afora. “Tudo que um artista pode oferecer ao mundo é o seu jeito de ver essas 12 notas”. 

Eu tive a sorte de encontrar alguém que ama o meu jeito de escrever essas notas, mas por pouco não me esqueci de como ele era. Há mais de dez anos, é este: “O mundo não é mais um lugar romântico. Algumas pessoas, no entanto, ainda são. E a elas cabe uma promessa: não deixe o mundo vencer.” Confesso que por mais tempo do que poderia, eu deixei o mundo se sobressair. E já estava mais do que na hora de tomar a liderança de novo. 

Não sei o que te tirou da cama esta manhã, mas espero que você também encontre sua música de volta. Se não for hoje, que sorte a nossa por poder tentar de novo amanhã.


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