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Os últimos cinco anos



A última vez em que alguém me perguntou “onde você se vê nos próximos cinco anos?” foi, ironicamente, quase cinco anos atrás. E como se não fosse o bastante, eu me recordo de ter dado praticamente a mesma resposta. Só não esperava que, a essa altura, eu estaria mais distante ainda dela do que eu esperava.

***

De Londrinense a Cascavelense, passando por Iguaçuense há algum tempo, existindo entre um diploma de psicólogo e uma graduação de jornalista, colecionando corações partidos – com um pódio especial para o meu – às vezes parece que as principais lições que aprendi em minhas aulas de português, sobre a importância de ser coeso e coerente, parecem ser as características mais distantes possíveis deste escritor.

Felizmente este espaço ainda é meu – só meu – e não há nenhum título que se sobreponha a isso. Caso eu seja seu filho, parente, amigo, colega, funcionário, ex-namorado ou decepção vigente, aqui nada disso importa. Sou um escritor, fatídico e desolado, embora até eu sou capaz de admitir que é da melancolia que nascem as melhores histórias. Há males que vem pra bem... da literatura.

Longe de mim, querer dizer que os últimos anos têm sido uma sucessão de desastres ao som de quaisquer trilhas sonoras anexas ao fim de cada capítulo. Eu fui parte de aniversários, casamentos, formaturas e datas comemorativas, significativas ao menos para mim. Mas como é de se esperar, nada aconteceria sem interlúdios de decepções, questionamentos e luto.

A questão é que, recentemente, fizeram aquela mesma pergunta a mim. E num piscar de olhos, os últimos cinco anos passaram como um filme na minha memória. Todas as mudanças, as incertezas, as escolhas, os ferimentos, as gargalhadas, os choros escondidos, as vitórias publicadas... Tudo operando em uníssono, de alguma maneira, até me levar àquele momento. O momento em que eu finalmente soube responder qual vida gostaria de estar levando até os próximos cinco anos. Por sorte, era uma entrevista de emprego.

***

Gostaria de ter sido um amigo melhor. Um namorado mais atento. Um filho mais grato. Um parente mais presente. Um funcionário mais eficaz. Um homem infinitamente mais próximo do potencial que eu tanto gosto de me gabar que há aqui, mas cuja fração sequer já chegou a passar da porta pra fora. Eu pensei em tudo isso e muito mais ao sentar para escrever este texto. O primeiro em muito tempo, mas não o único dos anos que já se passaram.

Se há uma coisa que eu fiz nessa vida, foi escrever: sobre as cidades, os pequenos detalhes, as ironias camufladas, as metáforas irresistíveis, sobre você e, enfim, sobre mim. É o que eu sei fazer de melhor, se precisasse elencar uma qualidade em particular. O defeito, partindo da mesma virtude, é que eu nunca soube exatamente o que dizer. A esperança em meio a ambos é eventualmente descobrir aonde quero chegar. Talvez eu esteja prestes a me mudar de novo. Talvez eu morra nesta cidade. Eu não sei.

A única certeza à qual consegui me agarrar é à vida boa que eu gostaria de levar. A estabilidade de saber logo ao acordar que há um mundo de possibilidades lá fora, todas invariavelmente pertinentes, e que tudo ficará bem. Cumprindo minha carga horária, atendendo às minhas demandas, lembrando de passar no mercado antes de voltar para casa, e ter a mão de alguém para segurar durante o jantar. Alguém com quem brindar o vinho. Alguém para quem eu possa desejar uma boa noite.

Eu tenho uma relação de amor e ódio com o dia de amanhã. Sempre tive. O medo e a curiosidade sobre o que está por vir sempre me impediram de realmente aproveitar o aqui e o agora. A preocupação e as eventuais dores de cabeça me impedem de enxergar quem está ao meu lado, em nome de quem já partiu há anos. São nesses momentos, inclusive, que me pego imaginando se eu também já parti e não reconheço o homem que reflete no espelho. Essas olheiras sempre estiveram aí? E as dores nas costas, foram sempre tão sensíveis? Quando foi a última vez em que tive uma boa noite de sono?

Às vezes parece também que não consigo parar. Andando com pressa para lugar nenhum e ansioso para chegar. Qual é o seu problema, cara? Não percebe que já chegou a algum lugar, enfim? Da onde vem essa necessidade de seguir adiante? Não adianta tentar viver à frente do tempo para melhor entender como o caminho pode ser trilhado. Não é possível. Por isso quando penso nos últimos cinco anos, a única imagem que me vem à mente é, ironicamente, a preocupação que pairou sobre mim durante esses mesmos anos. Isso ao menos explica as noites mal dormidas e a constelação de dores e sintomas pelo corpo.

Em algum momento, ambição e ansiedade precisam acionar o freio. Sim, algumas pessoas ficaram para trás, e alguns lugares felizmente ainda podem ser revisitados. Mas para entender realmente o que aconteceu nos últimos anos, e para construir algo sólido ao longo dos próximos, você precisa sossegar em um ponto fixo. Isso inclui dar um ponto final a certas histórias e, principalmente, a essa questão.

Como eu me vejo nos próximos cinco anos? Eu vou ficar aqui, sendo feliz com a vida ao meu redor hoje. Amanhã é o que acontece quando você decide algo agora. Por ora, eu decido repetir a mesma decisão que tomei logo nos primeiros dias deste ano. Ou duas, ou mais, quando percebo que já estarei com 32 anos.

***

Eu não sei o que exatamente atrai sua atenção para a bagunça que vos fala, mas obrigado por ainda estar aí.

Comentários

  1. Como sempre, ler seus textos é uma experiência inspiradora! Ler Igor Moresca me dá vontade de escrever, e - confesso - vontade de viver, experimentar a vida com mais afinco. Para não transformar esse comentário em uma redação, faço das palavras de M. S. Cortella as minhas: "Vida longa e morte rápida!"

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